sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Feliz Aniversário

                Compartilhar, multiplicar para compartilhar. Nas entrelinhas, entre peixes e pães para ser mais preciso, o ciclo de uma semente na velocidade de um milagre. Oferecido com um sorriso de compreensão e amizade, pedindo em troca apenas o seu sorriso e paz. E eu sempre achei legal o fato disso ter sido encenado por um jovem cabeludo. Bendito seja este irmão mais velho.
                Passei a infância inteira dizendo amém em nome dele, e seguirei agradecendo aos seus milagres. O que ele transmitiu de bondade em palavras sábias e calmas, reverberam nos diálogos de progresso no prazer de um papo com um amigo e com a família. A influência dele é positiva, é óbvia, tudo o que se fala dele é positivo, fraterno e bondoso.
                Eu gosto de reconhecer meu irmão mais velho como um cara carinhoso e mestre de empatia. Se interesse pelos outros e sempre terás companhia. Compartilhe e compartilharão contigo. Sorria e sorrisos receberás. É mágico.
                E meu irmão mais velho percebeu algo, por duas vezes passou por aqui para sofrer todas as dores por nós. Para que pudéssemos perdoar uns aos outros, coube a ele também ser traído por um amigo, não ser reconhecido por todos aqueles a quem ele bondosamente atendia, ser testado por todas as suas forças, para descobrir dentro de si o poder dos milagres e da fé. Alguém se reconheceu nisto também?
                A mensagem sempre foi clara, se entendam bem e amem uns aos outros. É a única certeza que temos, porque esta também foi a certeza do nosso aniversariante. Por amor ele nos honrou com os braços estendidos, suspenso no ar, mesmo que para reconhecê-lo foi preciso tentar apagá-lo. E como não é esta a nossa decisão, ele retornou para que aprendêssemos através do vício.

                Mas tudo porque ele sempre confiou em nossas virtudes, na nossa capacidade de amar, de se entregar a um sonho, oferecer a mão, passar o amor adiante, e recebê-lo quando ele retornar. Porque nada é nosso, somos apenas parte de uma energia maior e suas ondas abençoadas de eterna prosperidade, e ao encontrar o desapego encontramos a redenção. E só o amor conhece o que é verdade, foi meu irmão aniversariante que disse. E eu concordo com ele. Gratidão meu caro. 

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O bilhete

      A rua anda diferente e Lana está apressada. Está armando chuva, mas ela não se importa. A rua está diferente e Lana não nota. Não percebe o papel na mão da amiga que a acompanha, muito menos sua reação ao ler o que está escrito. 
       A rua está diferente , outra moça passa por elas rindo com um papel na mão. Lana não percebe, está apressada para chegar à faculdade. Alguém espirra do outro lado da rua, a amiga comenta algo sobre o rapaz que espirrou. Lana está com as questões da prova em sua cabeça. 
     A amiga havia falado em bilhete, Lana teve uma boa ideia de repente. Vai anotar em um papel as palavras-chave da matéria que tem prova. Assim fica mais fácil, é o seu jeito de estudar, e ela se incomoda por só pensar nisto agora. O seu bloquinho de folhinhas rosas e post-its coloridos não está na bolsa. A amiga também não tem. Mas Lana havia acordado diferente, e estranhamente desatenta, e há poucas horas de uma prova de final de semestre. Então Lana percebe como a rua está diferente.
        Do chão pega um pedaço de papel dobrado, da mesma cor do seu bloquinho com post-it. Pode aproveitar o verso para escrever o que precisa e... Quando abre o papel encontra uma intrigante e divertida mensagem que a faz rir, esquecer da prova por alguns instantes e relaxar. Sorrindo,  diz para a amiga guardar o seu bilhete porque ela havia encontrado o dela, que dizia:

"Sou bacana, amigo e cheiroso
 Gente boa, lindo e companheiro
 Mais do que isso não posso falar
 Assim como você, eu também tenho vergonha.
 Me descubra : ) "

        Lana não pensou mais na prova, foi mais fácil do que imaginava. Escrever as palavras-chave no outro lado da mensagem que a fez sorrir bastou. Enquanto lia o bilhete, Lana não atendeu ao telefone e achou interessantíssima a história que a amiga contou sobre a chuva de bilhetes que amanhecia em sua rua essa semana. Algo quando a amiga disse "e é apenas nessa rua" intrigou Lana, ela decidiu descobrir quem é tão gente boa e bacana assim para fazê-la sorrir antes de uma prova de final de semestre.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Prédio Rio Branco, Apto 303

              Lana desce as sacolas do supermercado. Depois de abrir a porta do apartamento com alguma engenharia. As 3 da tarde costuma-se entrar sozinho no elevador no Prédio Rio Branco. O senhor da portaria, que Lana ainda mal conhece, estava envolvido em algo longe do estacionamento e não precisou do elevador até o 3º andar. Restou a companhia de suas sacolas do mercado. Lana e seu novo lar.
              Ao abrir a porta e colocar uma sacola pesada para calçá-la, Lana recebe as boas vindas do prédio: uma ata com as normas "oficiais". E algo contrasta à sua frente. O violão do marido repousando no sofá da sala e a terceira linha da ata informando que está expressamente proibido tocar instrumentos no Prédio Rio Branco, não importa a hora ou o dia. Lana pensa que o marido não vai gostar de saber disso. Um dos planos de se mudarem era a liberdade de tocar  violão e a felicidade de terem uma sacada. 
              O marido liga dizendo que receberão aquele casal de amigos para estrearem o apartamento. Lana pensa na felicidade que foi contratar a senhora indicada pela Imobiliária para limpar o apartamento 303 no dia de hoje. O casal de amigos são ótimas companhias, mas nem por isso vamos recebê-los na bagunça não é mesmo? Lana comenta sobre algumas notificações para o marido, que já parecia saber da restrição a instrumentos musicais. E não demonstrou nenhuma emoção que indicasse que isso fizesse diferença em sua rotina.
             8 horas da noite, Lana está na cozinha. É surpreendida pelo marido enquanto cozinha. O cheiro de vida nova no novo apartamento, o beijo apaixonado, a felicidade do casal. Um apartamento com sacada para dividirem o seu cigarro ao final do dia e verem um novo dia nascer a cada amanhecer. Um apartamento para ele tocar seu violão e ela ler seus livros. Não importa o que as normas "oficiais" dizem, no apartamento 303 do Prédio Rio Branco há boa convivência com os vizinhos e um violão trilhando belas canções. E ninguém se importa com isso.
             A campainha toca, é a primeira vez que os dois têm o prazer de escutar visitas chegando ao seu novo lar. E como isso é tão bom. Os amigos chegaram ao apartamento 303 do Prédio Rio Branco.


sábado, 7 de novembro de 2015

O que desejar a alguém.

O que desejar a alguém?

                Um banco em frente ao mar, final da tarde. O sol lentamente descendo e depois se pondo. O anil do azul abençoando o anil do laranja mergulhando no mar, o mundo está em paz. Uma cabeça em um ombro, alguém para abraçar. Respirações em sintonia, o vento farfalhando as folhas da árvore mais próxima, e alguém para amar. O doce fim de tarde que vira noite, a primeira estrela a brilhar. Lana respira embalada por este momento.


quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Aviãozinho de papel

      Algo toca os seus cabelos, Lana tira as mãos do bolso e descobre um aviãozinho de papel. Antes de perceber como isso seria surpreendente, um garotinho de macacão e passos cambaleantes vem em sua direção. Lana acha graça do garotinho.
      A mãe do garoto um pouco envergonhada, um pouco vendo graça da reação de Lana, se desculpa. O garotinho recebe o aviãozinho e um cafuné, agradece a moça sorridente e sorrindo, prepara mais um voo de seu brinquedo. A mãe conta o nome dele para a moça e divertidamente vai em direção de seu filho.
     Lana encontra suas amigas, que olham com cara de piada para ela. Uma delas não se aguenta e pergunta:
- Mudou o penteado Lana?
Entre as gargalhadas das moças à sua volta e ajeitando seu cabelo, Lana responde:

- Um aviãozinho de papel pousou no meu cabelo, e tirou minhas mãos do bolso. 

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Família

               Uma criança com o joelho arranhado sentada na calçada, um senhor se aproximando. Antes que o aviso de “vai arder” termine, o garoto já sentiu o quanto aquele arranhão vai arder. Agradece ao avô e sai correndo novamente, agora já sabe que a ardência é uma companheira que às vezes lhe visitará em suas brincadeiras. Coisas de criança.
                Duas meninas e um menino, meio perdidos, meio atentos. Comportados, esperam não ser alvo das dúvidas dos adultos. Crianças não entendem os adultos, que não entendem as crianças. Mas todos irão se compreender, com o tempo e com amor. As duas meninas e o menino estão crescendo juntos.
                O cheiro de pão novinho vindo do forno, o café da tarde. A doce mamãe e a sua criançada. Quer estejam falando sobre bonecos, bonecas e bolas. Quer estejam falando sobre o futuro, porque acham que sabem demais daquilo que estudam. À doce mamãe a sua criançada.
                O grito de gol que felizmente se repete, se alcança e se sonha. Uma bola e um guri de seis anos dando seu primeiro chute. O mesmo time e o mesmo talento também com outra bola. Enfim, alguém que segue os passos de papai.
                O sorriso da vovó a iluminar um jardim inteiro, cinco crianças correndo do seu jeito. Ela diz para serem cuidadosos, mas sabe que eles não a escutarão. Essas crianças de hoje em dia são muito urgentes em suas brincadeiras. Ela ri boba quando as meninas perguntam se ela passeava com o vovô por este jardim quando eram namorados. Ela diz que em um jardim parecido, esse é novo, ela reservou para as crianças brincarem.

                Duas doutoras, elegantes em seus trabalhos e destacadas naquilo que fazem por amor à profissão. Lindas como só Paris poderá me contar um dia. Com livros e muitos conselhos sobre disciplina indicavam que o estudo é o melhor caminho. Até que um dia conseguiram explicar que suas qualidades vinham da sua cultura e não de suas posses. E o que era ilusão simplesmente se realizou. Abençoados sejam os sonhos e o caminho das suas realizações. 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Ali

Ali

                Um bom domingo para sorrir. Como todos os dias são bons para sorrir. Mas você está com as mãos no bolso e olha um pouco para baixo. Anda só, com a velocidade de quem anda só.
                Mas você está com as mãos no bolso e não percebe. Não percebe que o vento passa diferente, movendo seu cabelo. Não percebe que a grama ficou mais verde com o seu passo. Não percebe que o domingo ficou mais feliz e o sol lá longe brilhou um pouco aqui perto.
                O vento mexeu o seu cabelo, e suas mãos estavam no bolo. A grama ficou mais verde com o seu passo. E segue ficando pelo seu caminho. E você desfila com as mãos no bolso. E o olhar baixo. Puxando a tarde como uma cena silenciosa, preenchida pelo barulho do vento, dos carros, das pessoas, da rotina normal, e dos seus passos. E suas mãos no bolso.

                E da rotina normal e dos seus passos, para qualquer outro lugar, de gala e estonteante, ou comigo com o sorriso certo. Eu me comunico com o mundo. Detalhes como estes já compõem, como o outro lado da cidade ou a distância entre continentes, a proximidade do vento ou a mesma velocidade. Como enxergar isto? Basta tirar as mãos  do bolso. 

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Letrinha / Pegar ou Largar

Letrinha

- Alô.
- Alô, Silvio, tudo bem?
- Tudo bem Dona Julia, e com a professora?
- Tudo bem.
- A senhora quer falar comigo?
- Sim, queria te dizer para não deixar bola picando...
- O que tu tá dizendo?
- Pra não deixar a bola picando.
- O que tu acha que tá fazendo, falando com uma criança?
- Não, pq?
- Mandar letrinha depois de barbada, isso se resolve entre criança.  Tá pensando que tá falando com quem?
- Só quis te avisar.
- Me avisar uma pinoia, professora. Tu quer me alfinetar, deu problema aí? Resolve. Não liga tentando achar culpado.
- Não fala assim comigo, nesse tom.
- Nesse tom? A senhora que quis bancar a fofoqueira, relaxa a senhora e larga do meu pé.
- Não fal... (tuuuu tuuuuu tuuuu tuuuuu).


Pegar ou Largar

- Estamos aqui para apoiar esses senhores.
- Pois não.
- Eles têm um acordo com o D’Angelo.
- Que acordo?
- 40 mil dólares de investimento no negócio deles.
- Temos apenas 15 mil para oferecer.
- Quanto?
- 15 mil dólares para oferecer.
- Isso é um absurdo!!!
- É o que temos para oferecer.
- Mas o D’Angelo prometeu 50 mil dólares.
- Ele sabe que só temos esse valor.
- Nós queremos 50 mil.
- Nós não temos 50 mil.
Um terceiro , mais distante se pronuncia:
- Então não vão levar nada.
- Como assim, nada?
- Não vão levar nada, se não querem os 15 mil, não importa pra nós o que o D’Angelo prometeu. Ele até vai concordar que a gente não deixou vocês levar 15 mil reclamando.
- Não é bem assim, mas o trato era 50 mil.
- 15 mil vocês se viram. Pegar ou largar.
- ...
- ...

- Tá bom, 15 mil já ajuda.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Setembro

                Chegou,  gritando alto. E de longe. O que torna tudo próximo. Muito bem referendado, havia alguém dobrando os sinos, enquanto o alinhamento se apresentava. Uma onda suave renovando a atmosfera, a cicatriz. E dois mosquitos pousaram e um joelho.
                O sono do repouso, dormir e acordar curado. Pouco importa o cansaço ou o dolorido ou a madrugada divertida ou a canja de arroz ou os dois pacotes de bolacha. A diversão da anestesia que gerou o primeiro passo. Um passe, uma benção no quarto ao lado, inúmeras mensagens de corrente em uma. Um dia que amanheceu em paz na rua em que nasci.
                Setembro da cura e do caos. A tempestade de areia de março chegou em setembro, muito carinho, liberdade, 23 , uma iniciação, bênçãos e felicidades. E alguma dureza nas regras do jogo. O corpo cansado e a mente cansada.
                A onda suave mostrou a que veio, um desenho de um planetário e um laço forte. Todas as orações em uma, e uma ajudando a compor o coro de orações. A gratidão, por compreensão e efeito. A eterna companhia por abençoado reflexo.
                Mamãe soprou velinhas no dia em que espantou dois mosquitos do meu joelho. Teve música, teve a família e teve felicidade. Um lar sonhado, vivido e amado. A pracinha e seus patos comigo na garoa, tocos de cigarro no lixo. E o Rock in Rio me dando boa noite.
                A lição de humildade e a felicidade pela felicidade, pelo simples compromisso com a felicidade. Seja a minha felicidade, a sua, ou a daquele cara que se ergueu e foi reconhecido pelo seu valor, ou a daquele que foi para outra cidade e depois do réveillon voltou sorrindo ao dizer boa noite. Cada um atravessa a sua rua.  E se você perceber isso acontecendo, observe bem. Cada pessoa é uma estrela cadente em constante supernova. A cada encontro faça seu pedido. 

                Uma história concluída e o cheiro do mar. A areia das pirâmides também está no mar, e as duas estão aquecendo meus pés, se quebrando quente do jeito que eu gosto de lembrar da infância. O mar leva para longe as tristezas, cada onda é um sorriso recuperado e um novo sonho a ser realizado.

domingo, 13 de setembro de 2015

Jornais

Jornais

            
         Extra! Pai é recebido na porta de casa pelo casal de filhos, que o aguardavam ansiosos para saber como foi o dia no trabalho. A esposa sorri assistindo a cena, ele retornou. Sorrindo. E sorrindo se entrega para o momento. A calçada está varrida e o ambiente bonito e feliz. Tão estranho para quem fica, mas isto é para outras histórias reais de outros seres imaginários. Nada mais do que um caminho que se passa, o pai explica para o filho no seu colo. De mãos dadas com a filhinha dá um beijo carinhoso em sua esposa.
            Extra! Artistas de rua agem em ação silenciosa e rua que já assistiu muita tristeza, amanheceu bela, colorida e com mensagem de apoio aos familiares dos jovens que partiram. Uma mãe que passava pelo local se emocionou e agradeceu aos dois rapazes que ofereciam suas “mímicas do abraço” (segundo eles) pelo carinho recebido. “Foi de tocar o coração, meu filho não voltará para casa hoje, mas eu voltarei em paz , porque esses meninos estão fazendo o que o meu faria se estivesse aqui”. O carinho não alivia, apenas consola. E o medo é um abraço, tão distante de quem fica.
                Onde vai? Nós estamos de passagem. Onde a rua nos abriga desse frio. Eu vou te encontrar, está marcado. Gratidão por sorrir comigo. Estamos sempre de partida, mas a rua nos abriga desse frio.
           Extra! Senhor anônimo tem sido visto andando pelas ruas abordando moradores de rua. Segundo relatos, ele chega em seu carro, oferecendo sopa quente e um copo de agua para todos. Mas há pães para quem está com mais fome, e cobertores para substituir o frio. O curioso nessa história é que, segundo o próprio senhor (que não quis se identificar, quando abordado pela nossa equipe), há apenas uma exigência -  muito inusitada por sinal: em troca da alimentação, é pedido aos moradores de rua que opinem sobre as noticias dos jornais que os aqueciam até que os cobertores chegassem, assim pode conhecer mais de cada um. A verba para esta ação vem de amigos que toparam participar, oferecendo produtos e dinheiro para que o máximo de pessoas sejam atendidas. Perguntado sobre o desafio, o senhor disse: “A calçada não é pai, não é mãe, não é nada além de um refúgio, um abrigo. Tão distante para quem passa. Algo precisava ser feito e há muita gente querendo ajudar. Eu apenas ofereço. E é como um professor amigo me disse certa vez, quem sai energizado sou eu, porque é nessa troca em que se escondem os tesouros que a gente busca. É o que eu penso pelo menos.” E sorrindo se despediu da nossa equipe.
               Extra! As pessoas estão sorrindo nesse domingo de manhã. Esta é a noticia que eu quero ler nos meus jornais, e nenhum de nós irá desistir até que você esteja sorrindo também.   E esta é a noticia boa por que tanto esperamos.

                

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Polaroid

Polaroid

                Um som atrás dele. Vindo do corredor. Mesmo virando-se rapidamente, apenas uma mancha na parede.  E um forte cheiro de Bourbon. Um ar novo, algo está acontecendo. No bar onde ele estava. O estalo de uma luz e uma mancha na parede.
                Algo novo está acontecendo, o sol cai bem para momentos assim. Não importa onde está, sua vida não era mais sua vida. Ela estava okey, fosse andando pela avenida ou encarando a distância bosque à dentro. O brilho de um registro.
 Contando segredos e mais segredos, sua pele brilhava. Duas maçãs sorrindo para mim, ela é linda. O café perfumava aquela manhã. O corte no rosto não mudava nada, ela brilhava como em um nirvana. E começou a correr. Fugindo da inercia da imagem.
Para bem longe, como quem é perseguida. Como quem está andando em um bosque. Ela brilhava. Feito um flash em uma polaróide.
Passávamos todos os dias na mesma posição, ela deitada, eu deitado. E sangrávamos. Sorrindo como loucos. Luz que ilumina e poderosa por conter a solidão, mesmo distante. De todas elas, para ela foram minhas frases mais preciosas.  E a mim só sobraram moscas.

E um belo jardim, e muitas, muitas, muitas imagens bonitas. Registradas como um flash em uma polaróid, impressas na tela e a distância. A paz de um bosque e uma nova imagem nos unindo.  

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Sinais de fumaça

Sinais de Fumaça

                Histórias de garotos e garotas. Observo isso a toda hora. Alguém caminha pelo silêncio, achando que não é observado. Sinais de fumaça o faziam se sentir mal. Mas chegou aonde queria, e o silêncio ficou dentro de uma boca muda e triste. A dele chegou agradecendo. Palavras vazias entre os dentes ficam para quem está vazio.
                Obrigado por me receber, eu quero ouvir suas histórias. As felizes, as de primavera, as de setembro. Algum dia as águas de março desaguam em outro oceano. Quais são as suas histórias? Estou sentado como se estivesse em casa, aceitando o calendário.
                Garrafas de fumaça guardam o que sei. Tanta sabedoria envolvida, desaparecendo em pequenas porções. Surgindo novamente, em uma nova história, com outra garota, com outro garoto. Ou até com uma mulher, e um homem. Todos crescem, não é mesmo?

                Obrigado por me receber, eu vim para encontrar suas histórias. Não estarão no fundo de um baú solitário e triste. Algum dia se evapora o que se foi, como todo ciclo natural. E o sorriso triste apodrece. Para o meu eu quero vida, e vou me inspirar em suas histórias. O rosa é apenas uma cor, como qualquer outra. E não precisa se sentir mal com os sinais de fumaça.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Dias que virão

- Calma aí, o piano já vai começar...
                Rico e tolo, lado a lado, conversando animadamente, desviando os pés de pétalas pelo caminho. Alguém lhes disse para contar as flores e eles não toparam.  Preferiram suar as mãos, andar por aquele corredor e abrir as portas. As pétalas lhe indicavam um caminho.
                “Então vamos contar flores” , disse o tolo para o rico, que pensou em como ocorria a distribuição daquelas belas rosas para chegarem a eles. O tolo sorri ao ver a expressão do rico, se levanta, oferecendo a mesma pétala que cheirava para o amigo. “Os sonhos não se vendem, meu caro”. O rico torceu o lábio crispado, olhou para a pétala e antes de bater na porta respondeu:
-Talvez meu caro (e nesse momento você pode imaginar a expressão que quiser para o rosto do rico). Mas não pense que não tenho minhas cicatrizes, por muitos momentos bater em portas significava olhares estranhos e pouco diálogo. Até deixar de ser divertido.
                O tolo entendia aquilo. Encontrava esse sentimento em todas as boas vindas que deu para sorrisos sem graça. Em cada sorriso que ofereceu para pessoas mal humoradas, e o silêncio por se questionar “será que eles me entendem?”. Mas estavam apenas rindo. E o tolo ria junto. Não se sentia mal por ser a piada, ele entendia. Alguns contam dinheiro, outro pétalas.
                Mas à sua frente havia alguém que contava dinheiro, e contava também suas histórias. Como se visse em cada uma, pedaços de um amor. E o tolo passou a sonhar com mais do que aquelas pétalas, e a porta a sua frente se tornou um lugar feliz. Porque atrás dela havia alguém para receber.
                Enquanto ouvia o amigo olhando as pétalas, sentiu uma vontade imensa em saber algo mais. Depois de ouvir sobre algo que envolvia um senhor em um piano tocando com a janela aberta “Let it be foi a senha daquela noite, e essa foi a boa surpresa entre tantas luzes e boas decisões”, perguntou:
- Quando foi que os sonhos passaram a ser permitidos e as histórias ficaram mais felizes?
O rico disse, sorrindo para o amigo, oferecendo uma pétala:
- Quando comecei a contar flores.

E a porta se abriu.  

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Extraño

Extraño

                O esquecimento é tão longo. E estranho. Assim como dormir em paz e acordar sem medos. Sentir frio e pensar que a fé foi perdida, quando na verdade é apenas uma tarde de inverno. Quando na verdade ninguém ensinou direito a diferença entre fé, julgamento e medo. E com isso o amor se vai.
                E com isso o amor se vai, feito o éter no espaço, atmosfera, obrigação, e fé. Nada mais vale se não for a partir disso. Mas novamente, ninguém ensinou a diferença entre se entregar e se ferir. E com isso a inutilidade envolve.
                E com isso a inutilidade envolve, porque atos são cobrados, mas ... não são reconhecidos. Não importa se for em um livro, ou passando um final de semana vestido de rosa. Restando assistir estranhamente a vida pela televisão e observar a exposição da felicidade alheia pela internet. O esquecimento é tão longo.
                É estranho. Como olhar para trás e ver os caras de uma banda de Porto Alegre na mesma fila para comprar o mesmo CD daquela banda inglesa. No caso deles é extraño, por alguma influência interessante do rock que vem de Buenos Aires levado para algum teatro. Eu era o número 17, eles cinco os seguintes. Hoje, estranhamente,  eu me recordaria de quem seria o número 23.
                O nome sussurrado e o cansaço de uma febre que vem e vai, e quando for espero que não volte. Mas a gente não escolhe aquilo o que volta ou não para a gente. Mesmo que possamos amar e achar que fomos amados algumas vezes. Ninguém perde a fé, até que descubra o jeito certo, e não ensinado, de acreditar. E o que estava para ser perdido, se renova.
                É simples, como “seja vegetariano” escrito à tinta spray em uma parede. É estranho, como “seja vegetariano” escrito à tinta spray em uma parede. A mensagem por si só é uma boa dica de saúde. E quem irá julgar? Os mesmos que não sabem ensinar sobre fé?

                Como uma canção descrita em uma escrita livre, é apenas estranho. E ninguém saberá responder, e se contar histórias de fé tudo bem, desde que sem questionamentos. Estamos preocupados com nossos umbigos, mesmo que a nossa volta tentem não deixar nos aproximar. E fomos ensinados a não questionar. É estranho. É estraño. E isso não está certo.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Paraíso

Paraíso

                Nada tem que ser da maneira que eu pensei. Apenas um começo para mim, e para todos.  Todos os dias, a toda hora. Milagres que se realizam, e se agradece. As estradas não são curtas, mesmo que te levem para a primavera. Isso tanto faz.
                Isso tanto faz, eu não tenho o paraíso para te oferecer. Um oceano nos espera. Já vi algo, e uma casa aberta. Um piano na janela da esquina. Deixe estar e dois sorrisos irão brilhar no fim da viagem.
                Ninguém se afasta tanto assim, recomeços para todos que aguardam por redenção. Hoje as flores são verdadeiras, a casa está aberta e ninguém se afasta tanto assim. Não há tristeza nas janelas. O dia está bonito.
                O dia está bonito. Mesmo que eu não tenha o paraíso para te oferecer, podemos caminhar até o mar. Quem sabe até de mãos dadas. No fim da viagem, um oceano olha para nós. E os milagres se realizam, feito dominós dançando em queda um após o outro, e se agradece.

                E se agradece.   

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Diga a ela

Diga a ela

                Dois conhecidos  cruzam um o caminho do outro. Se cumprimentam, algum deles está de bom humor e estende a conversa. Trocam ideias sobre seus momentos em comum, momento da profissão de cada um, um plano pra lá e um plano pra cá. Questionam sobre os amigos em comum que são mais próximos, até que um antes de se despedir pergunta:
- Digo algo para ela?

                Entre o educado sorriso crispado e a resposta, uma boa jornada de meses. Televisões ligadas ao acordar, televisões ligadas ao dormir. Dias intermináveis em bares com uns amigos, novos amigos e antigos amigos. Tantos estranhos tão perto. Na verdade longe do principal. Ela sabe onde estou, logo pouco importa dizer que estou só, ou que mando recomendações. Passos alinhados que caminharam muito devagar, arrastando o calendário. Olhares perdidos. Olhares ao encontro de um espaço. Um espaço dentro dele. Algo gritando para ela saber como foi. Um garotinho assovia, enfrentando a náusea da dúvida.
                Um garotinho realmente assovia, do outro lado da rua, e uma moça sorri. Enquanto atravessa a rua, o sorriso crispado se dissolve em um sorriso feliz e a resposta sai tão leve quanto o aceno de despedida, e desatento responde:

- Sei lá, diga a ela que me viu na rua. Ah, e que eu parecia muito bem. 

sábado, 8 de agosto de 2015

Eu caminhava

Eu caminhava

                Eu caminhava, minhas pernas se encontravam e se despediam. Uma tarde qualquer, o inicio de uma rua. A beira da Lagoa, a Praça, o Colégio, a mesma rua, uma avenida. Uma ideia. A distância não importa.
                O trote solitário e mergulhado, oferecendo a prisão. De repente a grande subida já foi, e um novo bairro. Aquele bairro atrás do morro, já não faz sentido se preocupar em ser visto. As lentes fumê de um óculos escuros nos salva quando fingimos gostar de alguém. Melhor fingir que o tempo passa.
                Um estranho pergunta as horas, quando a metade do caminho se apresenta após a primeira das duas curvas do percurso. Fosse para a direita encontraria um pedacinho do futuro muito antes de chegarmos lá. O sol forte e o vento frio alegram aquele dia de primavera, no meio da tarde a temperatura é sempre agradável. Eu caminhava.
                Chegando a lugares que de longe eu enxergava, na última curva do percurso o estranho se depara. A mesma professora, meninas e meninos com a sua idade em outro tempo. Dizer que um dia elas poderiam fazer o mesmo, e surgir do nada na aula da Tia e contar alguma coisa como eu contei. Agora não podem mais, o colégio não existe mais. Eu caminhava e fingia que o tempo passava.
                A despedida e as curvas e a distância que agora importa um pouco. Óculos escuros descansando na gola da camiseta. E o vento a incomodar as lentes de contato. Amigas fazendo atravessar a rua apenas para comentar que a caminhada havia sido longa e o vento incomodava os olhos. Óculos escuros saindo do seu descanso.

                Sem dores nem cansaço. Quando se é jovem e se tem dúvidas, 5 ou 6 bairros entre o colégio antigo e o que não será lembrado não exige quase nada do corpo. É na busca por respostas que estamos andando, e algumas delas encontrei enquanto eu caminhava. Por uma memória.

domingo, 2 de agosto de 2015

O homem das estrelas

O Homem das Estrelas

                Lá vem aquele guri de novo. Voando solto pela casa, interessado na sala de chá. Pouco interessado em tantos móveis oferecendo tantos riscos ou serem frágeis demais. O fim das vozes no rádio, que ele desliga, e o fim do silêncio por toda a casa.
                Som de gelos quebrando vindo da cozinha e o menino tira do bolso um pequeno machadinho. Um belo copo de refrigerante para acompanhar suas estripulias e seu comportamento. Que assusta muito menos que o menino quieto, sentado em frente à tv, imerso em algum sonho em que não acorda.
                Um talho, um belo talho. Seu machadinho me feriu, e eu não estou sangrando. E essa cicatriz ficará por um bom tempo. As nuvens lá fora queimam alguma coisa, e nesse espaço a solidão é tão normal. E ele vem e me abre um talho. Anos depois me pediria desculpas.
                Anos depois me pediria desculpas, dizendo que está mais calmo e que se sentia mais puro depois de uma viagem que fez. Dizia: “ei, homem das estrelas, agora eu sou como você e também conheço as nuvens.” E dessa vez não me deixou um talho, mas repetiu o que tornava sua visita sempre tão esperada. Mostrou o que acontecia atrás de mim.
                Ás vezes um manto negro, cheio de pontinhos pequenos de luzes. Ás vezes um painel azul com tufos de algodão espalhados, se arrastando ao seu próprio sabor. Ás vezes gritos de alguém que se dizia tolo por enfrentar a noite. Naquele dia eu chorei sem medo, sem lágrimas e sabendo o que era paz.

                E agora lá vem aquele guri novamente, para me fazer um talho e me mostrar o que ocorre do lado de fora nu da janela. Sempre estar lá e vê-lo voltar, eu não sou mais o mesmo porque descobri o que uma paisagem instiga em alguém. E por muito vou chorar, sem lágrimas, sem dor, e sem saudade, apenas gratidão por não ser um menino que vai crescer e descobrir que corações se partem, sonhos se alteram, e que talhos doem muito menos do que a solidão. Afinal de contas, eu sou apenas um astronauta de mármore em uma mesa bonita postada numa sala de chá.

domingo, 26 de julho de 2015

Canção da meia noite

Canção da meia noite

                Daqui a pouco o telefone vai tocar, é quase meia noite. Feito o uivo de um lobo para a lua cheia, vai soar o toque polifônico/mp3 de um telefone em breve. É quase meia noite, antes que a vigésima quarta hora se avance, um novo dia começa. Iniciando a contagem do 00:00.
                Os segundos ainda não recomeçaram a correr com pressa em direção da luz da manhã, o tempo é de vampiros, lobisomens e mulas-sem-cabeça. O Saci Pererê está orgulhosamente vestindo sua faixa mais nova de campeão, e assustar aos outros não é o seu papel esta noite.
                A infância há muito já ficou para trás, vampiros não existem além de filmes sem graça e com excesso de maquiagem, efeitos especiais e entrevistas promocionais bestas. Pudera, os valores defendidos não vem de respeito ou comunhão amorosa e sim de barra forçada por um dogma, que como todo dogma permite crenças em inimigos fantásticos, como vampiros ou lobisomens.
                O telefone vai tocar, é quase meia noite, é quase o dia sempre esperado. Dona senhora, a meia noite eu canto essa canção anormal. O céu está nublado e não há como saber se é noite de lua cheia, escuto um grito e vejo um vampiro cair. Papai acertou um soco em cheio, entre seus dentes afiados. Mamãe está mostrando à Mula-sem-Cabeça porque vence quem consegue pensar. E eu estou protegido.

                No escuro não há vampiros ou outras coisas assustadoras, apenas ausência de luz. Respirar fundo e confiar que, finalmente chegarão alguns raios de sol, até que tudo se ilumine. E possa se enxergar os rostos de quem me acompanha. 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

A lua de Misa Amane

A lua de Misa Amane
                Um risco no céu, ou uma nuvem distante e solitária. Mais uma noite, e muitas que virão. O silêncio. A lua. Ela. Alguém ousou ser mais do que podia, e não olhou com carinho para o seu destino. Um jogo de um brincalhão com liberdade. E seu amado se foi.
                A lua há muito desistiu de pedir-lhe explicações, acreditava que aquela menina que não envelhece lhe explicaria alguma coisa. Mas quando olhou nos seus olhos e percebeu que ela também tinha suas dúvidas, encontrou sua companhia. O sol não lhe daria sua luz, como dá para o planeta que acompanha. Há incontáveis pontos distantes de luz quando a menina está lá novamente, sentada, com as costas retas, em posição comportada. Há muito já passou o olhar de quem se deu conta do silêncio.
                Há muito já passou o olhar de quem se acostumou com o silêncio. Ela não chora mais, nem olha para o céu acima dela. Aqueles pontinhos distantes brilham, feito as lágrimas que a secaram, alguém ousou ser mais do que podia. E não entendeu as regras do jogo. Um dia ela soube a resposta.
                E quando soube, a resposta apenas lhe explicava, mas não lhe aliviava. E a lua ali, a observando. Sem poder secar suas lágrimas, e sem poder secar as suas próprias lágrimas daqueles pontinhos no céu.  Existe muito tempo para acompanharem, uma a outra. Um caderno, algo que se escreva, tristemente simples.

                Um risco no céu, ou uma nuvem distante e solitária. Ela tem muito tempo para descobrir. Não importa o que só ela pode ver, sua luz não vai lhe ouvir. A lua e ela, dois satélites, vivos e silenciosos. Sem luz própria. E muito tempo para observar o som de quem mastiga uma maçã. 

domingo, 12 de julho de 2015

Sobre o tempo


                Manhã nublada, fones de ouvido e passos nervosos. A resposta está onde as boas perguntas nascem.  O vento sopra, movendo o que pode. O que ficar parado foi por própria opção. Passos nervosos e inertes, em direção as colunas de um edifício.
                O que se move e o que nunca vai se mover. O outro lado da cidade, um universo a encontrar. O local do futuro, o sonho do presente, a razão do passado. Onde tudo deixa de acontecer para fluir. Uma boa canção te resgata.
                As luzes brilham e uma calçada agitada. Simplesmente se faz parte disso, bons sorrisos, cores harmônicas e assuntos relevantes. Decisões a serem tomadas, decisões celebradas. Boas consequências, que enfim, se harmonizam. E respirar é fácil.
                A história já foi contada, pergunte àqueles que pensam, que falam demais, ou juram sem saber. O tempo os engana, e enquanto todos não aprendermos estaremos com eles. O que se move e o que nunca vai se mover.

                O tempo passa e nem tudo fica. Um teatro, um sonho. Não importa o movimento de resposta, a obra é sua. E o vento vem em esperança e passado. Nos mover. 

quinta-feira, 9 de julho de 2015

P.N.G.

                Churrasquinho Pau no Gato.

                Seu João, é um simpático senhor de 58 anos e proprietário do Churrasquinho Pau no Gato. Uma conceituada rede de lanchonetes, com a matriz no interior gaúcho e três filiais no litoral. Com quinze anos no mercado, a Churrasquinho Pau no Gato comemora o sucesso com o público reformando a sua matriz, aumentando a capacidade de 50 pessoas para 100 clientes, que tendem a sair satisfeitíssimos do local.
                O negócio começou como uma carrocinha no centro da cidade, atendendo principalmente universitários famintos após noites de muita cerveja nas boates centrais. Funcionava apenas de quinta a domingo, porém, em pouco tempo Seu João percebeu a boa oportunidade e passou a abrir todos os dias, contando com a ajuda de um de seus filhos (Fúlvio). Passou a atender universitários famintos após dias exaustivos de aulas e trabalhadores famintos após dias exaustivos no comércio.
                Em dois anos, a carrocinha virou um trailer, ainda no mesmo ponto. O movimento que era de 150 espetinhos por dia, passou a 300. Invariavelmente o estoque era consumido, gerando uma boa renda para a família de Seu João. Precisando que além de Fúlvio, Felipe também passasse a trabalhar no, agora, negócio da família. Com isso, os dois estudaram Administração na faculdade. Auxiliados pela renda do Churrasquinho Pau no Gato.
                Quando Fúlvio se formou na faculdade, o trailer estava a caminho de se tornar uma empresa e trocar de ponto. Com Seu João cuidando da cozinha, Fúlvio da Administração e gerencia do estabelecimento, um garçom para atender as seis mesas e uma senhora cuidando da limpeza do local, a Churrasquinho Pau no Gato virou ponto dos finais de festas para os universitários ainda famintos. O diferencial foi a ótima localização, próxima a uma boate de luxo da cidade. A noite começava na Pau no Gato e terminava na Pau no Gato.
                Diz a lenda que é dessa época em que Seu João passou a pedir para ver os chaveiros de quem procurasse emprego na Pau no Gato. Ele não nega nem confirma, mas comenta “garçom que se preza sempre carrega consigo um abridor de garrafas, nem que sejam esses simples que vem em um chaveiro”. Fúlvio acende com a cabeça, rindo em silêncio , enquanto passa com um espetinho em mãos e entrega a um cliente.
                É óbvio que um negócio não se faz apenas de uma boa administração, sorte nas localizações. O produto precisar ser bom. E nisso a Churrasquinho Pau no Gato sempre se diferenciou. Começou com um cardápio simples, com apenas duas opções (coração de frango e gado), podendo passar no molho vinagrete e/ou na farinha, ou em nada. Na fase do trailer foi colocado no cardápio Filés , de frango e gado. E o povo ia gostando.
                Hoje em dia, após a terceira filial aberta na praia, por influência de Felipe que convenceu o pai com a desculpa de que “nos tornaremos a empresa que também tem na praia, isso vai aumentar o consumo aqui e lá”, a Pau no Gato serve inúmeros espetinhos. E ainda inova nos nomes, sempre de forma engraçada. Espetinho Pau no Gato é o nome do tradicional de carne de gado de segunda, o que mais sai na casa; S2 stick é o de coração de frango, Pau no Porco é o de carne de porco, e o hit dessa nova fase da empresa Stick on the cat em que são servidos  grossos pedaços de filé mignon de primeira qualidade. Além, é claro, de petiscos como mandioca, batata, polenta fritas. A mais nova novidade é a tábua de frios e, se a receita não for muito complicada segundo Seu João, anéis de cebola.

                Em vias de se aposentar, Seu João frequenta cada vez menos a matriz de seu negócio. Confia na capacidade e nos estudos de seus filhos para tocarem com o empreendimento de sucesso. Mas sempre será possível encontrá-lo alguma noite degustando algum dos espetinhos do cardápio e usando o abridor de garrafas em seu chaveiro.  

segunda-feira, 6 de julho de 2015

"Garota paraquedas"

"A garota paraquedas"


"Abrir os braços e saltar
  A unica decisão sábia
  É permitir que o vento passe a guiar
 A sensação alarmante de velocidade e paz

Respirar com calma e se entregar
Para o céu azul que passa a te afogar
Com sua luz, suas nuvens e o frio do seu ar
Abrir os braços para saltar e se encontrar

Com a garota parquedas
Entre as nuvens eu vou voar
Com a garota paraquedas
Em paz eu vou pousar
Com a garota paraquedas
Não é preciso mais sonhar

O vento corta e nossas mãos se tocam
Os dedos se reúnem em seu abraço
Segurar firme nas cordas e puxar o gancho
Em um segundo vou flutuar

Com a garota parquedas
Entre as nuvens eu vou voar
Com a garota paraquedas
Em paz eu vou pousar
Com a garota paraquedas
Não é preciso mais sonhar

E ela vem, dançando pelo ar
Até a hora de me encontrar
E pousarmos com segurança
Abraçados e em paz.

  
  "Parachute lady" é uma música inédita e antiga de Vitch, lançada para promover o projeto de seu amigo Antón Pear, "Incredible world". A renda toda foi revertida para pesquisas de Mauricius Butter na sua luta pela cura do câncer e trabalhos com crianças autistas. A foto promocional foi tirada pela Morena de Liverpool, mesmo que não se trate exatamente de um paraquedas na imagem, mas ninguém se importa. Perguntado sobre quem seria a parachute'lady , Vitch repondeu: " Descobrirei em breve".  

 

domingo, 5 de julho de 2015

Final feliz III

           O dia nublado te convida. Te convida para abrir os olhos, e seguir nervosamente. Seguir obcecadamente. Seguir cheio de duvidas. Seguir com seus sonhos. E realizar seus sonhos.
              Já não é o começo da história, e muito menos o inicio do mapa. Que agora está mais estreito, aproximando o que até então, se apresentava distante. Manifeste-se e o resultado virá, feito uma engrenagem, ora lenta, ora absurdamente rápida. Mas virá.
           Quem se move faz a diferença, e não há duvidas sobre isso. Reconheça quem merece ser reconhecido, auxilie quem precisa ser auxiliado, e chute as portas de quem está em silêncio. E ajude quem não quer se entender a encontrar o que precisa. E o mundo gira.
           O mundo gira e a corrente segue. Da mesma forma e maneira que se segue através desse mundo. O que se dá é o que se recebe, e todo momento é um momento de encontro. O sorriso que se instaure no rosto, pouco faz se cansado ou irritado. Que o sorriso se instaure. A hora chegou.

               Eu, meus sonhos e minha paisagem, em paz. Começo , caminho e final felizes. 

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Final Feliz II

        O dia nublado te convida. Te convida para abrir os olhos, e seguir nervosamente. Seguir obcecadamente. Seguir cheio de duvidas. Seguir com seus sonhos. E realizar seus sonhos.
             Já não é o começo da história, e muito menos o inicio do mapa. Que agora está mais estreito, aproximando o que até então, se apresentava distante. Manifeste-se e o resultado virá, feito uma engrenagem, ora lenta, ora absurdamente rápida. Mas virá.
         Quem se move faz a diferença, e não há duvidas sobre isso. Reconheça quem merece ser reconhecido, auxilie quem precisa ser auxiliado, e chute as portas de quem está em silêncio. E ajude quem não quer se entender a encontrar o que precisa. E o mundo gira.
         O mundo gira e a corrente segue. Da mesma forma e maneira que se segue através desse mundo. O que se dá é o que se recebe, e todo momento é um momento de encontro. O sorriso que se instaure no rosto, pouco faz se cansado ou irritado. Que o sorriso se instaure. A hora chegou. 

terça-feira, 30 de junho de 2015

Final Feliz I

         Todos os anos ocorre a festa a Fantasia da faculdade do curso de História. O casal quieto do Mestrado, Jaques e Luana estavam empolgados. Combinaram suas fantasias com outro casal de amigos. Iriam os dois de Yagami Raito e Misa Amane, personagens do seu desenho preferido. Convenceram os amigos a irem de Ryukuu e Remu. Estavam empolgados, todos gostavam do desenho, que era uma febre, e com o investimento que fizeram poderiam até ganhar algum daqueles prêmios que acontecem nas festas à fantasia.

          O pessoal do segundo semestre da graduação foi de liga da Justiça, outro pessoal de Big Bang Theory e os professores, combinadamente, foram deles mesmos (sic). O salão era grande e espaçoso, todos estavam com suas bebidas geladas e animados. Afinal , festas são para isso.

          Quando a turma do Mestrado chegou, chamaram muita atenção. Não pelo modelo quase colegial de Luana ou pelo terninho de Jaques. Muito menos pelos quatro estarem com um caderno preto nas mãos. A maquiagem de Cláudio e Gisele foram a sensação da noite, até então. Até então porque viria mais no decorrer da noite. O Supla roxo de cabelo vermelho e a múmia de passos firmes, e sempre atrás de Jaques e Luana, realmente causou impacto.

        Mas o impacto maior ocorreu quando repentinamente a música baixou. Cláudio e Gisele deram um passo para trás, Luana que prestava atenção nos professores, tentando imaginar o que eles conversavam se surpreendeu com um Jaques semi-ajoelhado á sua frente. Por semi-ajoelhado entenda, um dos joelhos no chão e o outro apoiando uma das mão e um pequeno estojo.

Antes que Luana perguntasse sobre a cena, Jaques disse:

"Luana, eu prometo te amar para todo sempre. Mesmo que um Shinigami te ame e dê a vida por ti, eu prometo conquistar o amor de outro Shinigami para não te deixar só. E te prometo um amor de Misa Amane, e te prometo acima de tudo, o meu próprio amor. Quer se casar comigo?" 

sábado, 20 de junho de 2015

O jogo mental do vôlei

O jogo mental do vôlei

                Tudo se inicia no saque. O apito estipula 8 segundos como limite para a tomada de decisão e a execução do movimento. Qual o espaço correto para transformar a iniciação do jogo em um ataque fulminante? Viagem, balanceado ou tático, a intenção é a mesma, desequilibrar a defesa adversária. Melhor hora para quebrar o passe adversário, porque é o primeiro segundo de jogo, e essa será eternamente a intenção: limitar o leque de opções do adversário para o passo seguinte.
                A defesa está alinhada, protegendo o levantador ou não, cobrindo determinada área da quadra pelo adversário repetir estatisticamente o alvo, ou apenas como uma mera formalidade tática. Fato é que o passe deve sair perfeito, inibindo a primeira força de ataque do adversário, correndo veloz pelo ar e com o mínimo de efeito possível, o levantador vem aí. E do líbero se espera que domine esse movimento, e fortaleça o rendimento e confiança dos colegas de defesa.
                O levantador flutua em um tempo crítico pelo seu pouco raio de abrangência. Em menos de um segundo é preciso decidir qual das opções é a melhor para o ataque a ser executado. Nessa fórmula de raciocínio de tomada de decisão, é preciso estar atento ao posicionamento da defesa adversária, e principalmente se o ângulo que o seu atacante receber a bola será afastado da parede de bloqueio adversário. Em sincronia, podem se movimentar conjuntamente ao levantador mais três ou quatro colegas de time, oferecendo uma dança bem executada da modalidade. E a bola deve atravessar o bloqueio adversário, descer rapidamente e o mais precisa possível para dentro da quadra e fora do alcance adversário.
                Se o êxito do ataque se confirmar, o atacante encontrou a melhor opção de espaço oferecido na quadra adversária. Ou contou com a técnica, explorando o bloqueio adversário, na falta de espaços para o ataque efetivo. Ou contou com a cobertura atrasada da defesa que percebeu sua “pingada” sobre o bloqueio atrasado demais. Ou encontrou alguma outra saída, seja ela consciente, treinada ou resultado de um lance de sorte. Afinal a bola deve cair do outro lado caso resbale na rede naquele saque despretensioso.
                Mas pode ser que o atacante pare no bloqueio bem armado do adversário. Nesse caso, a cobertura deve ser exemplar. O líbero estará correndo enquanto o ataque é executado, e os colegas mais próximos assim que percebem estão em posição de preparação de manchete. Se o colega ficar no bloqueio, isso não significa que a bola cairá na sua quadra. Mas se cair, muito se deve a qualidade do adversário, por ter feito a leitura certa do movimento do atacante e armado o bloqueio de maneira correta.
                Se o passe feito no saque não for o melhor esperado, o bloqueio já sabe quais as opções deverá marcar. O meio de rede se direciona a um dos colegas ao seu lado e salta junto. E salta junto não podendo tocar na rede de forma alguma, não podendo invadir o espaço acima da rede do adversário, não podendo encostar uma pontinha de pé que seja do outro lado da quadra. Só depois que a jogada encerrar e o ponto ser confirmado. E se o ponto ocorrer no bloqueio, você ouvirá um longo e celebrado “uuuulllllll”, que pode vir de todos os lados. Seja do treinador, do colega de time, de alguém na torcida, o fato é que um ponto de bloqueio comove e motiva.
                Se nenhum dos movimentos acima encerrar a jogada, podemos estar envolvidos por um rally. Com os times trocando bola, quebrando defesas, dificultando levantamentos, atrasando bloqueios e enfraquecendo ataques. Mas a defesa, a defesa se agiganta a cada segundo de um rally. Depois de 30 segundos, 1 minuto ou mais, os dois lados saem fortalecidos. O vencedor sai aliviado porque venceu um rally, o outro lado sai fortalecido porque participou de um rally. A capacidade de volume de jogo e repertório, tanto técnico quanto emocional, da equipe se apresenta nesse momento do jogo.
                Dois tempos para cada lado são permitidos para os técnicos reorganizarem suas equipes ou eventualmente quebrar uma sequencia positiva de saques do adversário. Sendo curioso que se observa um êxito considerável quando a intenção for essa. Mesmo que depois de uma sequencia de, hipotéticos, quatro pontos sofridos em um ace, um bloqueio bem feito e dois contra ataques. Tudo se inicia no saque, logo é onde tudo começa a chamar a atenção, e é preciso recuperar a bola.
                Se algo acontecer de errado nesses movimentos todos, ocorre um fenômeno muito peculiar do voleibol, seus colegas virão ao seu encontro. Virão ao seu encontro para tocar em suas mãos e dizer algo que o estimule. Seja para levantar depois de uma defesa em que não deu tempo, seja para dar sequencia ao jogo depois de “engolir” a bola em um toque que se ensaiava com quase nada de dificuldade. Não importa o que aconteça, seu time está com você, e afinal, se passaram apenas poucos segundos para o ritual todo recomeçar com mais um saque. 

domingo, 14 de junho de 2015

O senhor na montanha

                Uma solução encontrada, um erro cometido. Um momento de desencontro, o momento do reencontro. Uma nuvem dança no céu azul, a chuva espalha o verde de um gramado. Um sorriso encantador, o canto da boca caído em um sorriso ao contrário. Uma ave que voa, um bando que avança, o som silencioso de um gato a observar, um cachorro em trote desgovernado e impaciente em carinho.
                O sorriso com olhos escuros, o verde a observar com pontos de interrogação a intensidade de pontos de exclamação. O sim e o não. Um gol em outro continente, um bom sinal. Um helicóptero, um ídolo. Uma paisagem linda na janela de algum amigo. A sensação de paz em meio a tantos desafios. A sensação de vazio em se cumprir algo importante.
                Um grito contra o silêncio, um pedido de silêncio em meio a outros sons. Um domingo de outono, uma sexta feira de inverno, a madrugada de um sábado de primavera. E o calor. A canção preferida em eterno ensinamento, o violão que emudece. Um café barato, um cigarro que se apaga. Um sorriso de esperança.
                Uma bola de vôlei intocada, e outro joelho que dói. Um gramado que se repete, uma mudança de ambiente. Um trem, um ônibus e alguns carros. Inúmeras placas e poucas placas. Um olhar vazio e a busca pela imagem a se observar. Um chimarrão, uma cerveja, uma pizza ou uma carne de churrasco.
                Um telefone celular, a alta tecnologia aproximando e afastando. Um estalo, o dia que deixou de ser noite. Um erro, a acusação, o descaso, o abandono, o perdão, a redenção e a felicidade. O reencontro do ciclo, e o mundo que se justifica. As duvidas caem em perguntas, e se encontram em respostas.
                Uma música, um acorde, um livro, uma gravata, uma bermuda, botões, terno. Conta no banco, isqueiro, café, cinema, física quântica, quem explica. Quem afasta, quem se aproxima. Um perfume, óculos, cabelo em harmonia, rostos maquiados. Uma mesa com alguns microfones.
                Um chope escuro, um sorriso numa foto. Um aniversário. Amigos, muito estudo. Eternas perguntas, algumas respostas. Uma surpresa, uma agradável tarde de sábado. O mundo se abrindo, e o mundo fechado. A solidez do que não é o inicio, nem o fim e talvez, no máximo uma parte de busca, encontro e caminho. Atmosfera e linha de chegada.
                O medo corajoso e a valentia covarde. A estagnação e o movimento. Nós desatados, serendipidade, calma e paz. Fé.

Apenas um senhor meditando em uma montanha.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O árbitro campeão

    João Rogério Mendonça aos quatro anos de idade se apaixonou por futebol. Seu pai, José Raimundo Mendonça, lhe entregou uma bola. Ela rolou pelo chão de terra batida daquele pátio em slow motion, o menininho sabia que algo diferente estava acontecendo.
    Passou a infância toda dizendo que queria ser jogador de futebol, ficava o dia todo na rua chutando bola com os colegas e amigos. Até que anoitecia e os pais lhe chamavam para jantar e estudar. Esse era o trato e ele entendeu desde o inicio, para jogar bola precisava estudar. Não que uma coisa se relacionasse com a outra, mas os pais disseram que se ele tirasse boas notas passaria o tempo que quisesse jogando bola. E os pais não abusavam, aprenderam desde cedo como motivar seu segundo filho.
     Dos doze aos dezessete anos, João, então chamado como Néquinho (ninguém sabe a origem do apelido, quando viram era o seu quase nome), passou por 35 peneiras diferentes. Passou apenas em times muito pequenos e sem projeção, e mesmo assim, a primeira vez ocorreu na décima quinta tentativa. O rapaz viveu sua puberdade assistindo seu sonho se evaporar em tentativas frustradas pela falta de aptidão necessária para se tornar jogador de futebol.
      Ainda na adolescência João entendeu que para fazer parte do mundo do futebol teria que adaptar seu sonho. Mas João era vaidoso e orgulhoso, o caminho natural era estudar Educação Física e se tornar um treinador ou preparador físico e seguir carreira nos clubes de futebol. Não para João, ele logo entrou para a faculdade de Administração. Se formou e emendou Relações Internacionais. Nesses oito anos, fez todos os cursos possíveis e oferecidos pela Federação de Futebol do seu estado pra se tornar árbitro.
       Ao longo da vida acadêmica o jovem árbitro passou por campeonatos amadores da cidade em que morava. Aliás, é desse tempo o famoso episódio do artilheiro dos mil gols, com reportagem da sucursal da principal rede de televisão do país e pedido de música para aquele programa de televisão. Toinho o artilheiro dos mil gols, foi o primeiro a despertar no jovem árbitro um rancor enorme contra o futebol. Ele sempre seria a lei, a última palavra seria a dele, mas ele jamais seria a estrela. Isso o amargurou bastante.
        Passou pelas duas divisões do estado quando era bixo em Relações Internacionais, e no final de semana anterior a apresentação de seu trabalho final de graduação apitou a final do estadual, o grande clássico do estado. A atuação segura e o jogo tranquilo ( o primeiro resultado havia sido 3x0 para o time que decidia em casa naquele domingo e, que abriu o placar aos 10 do primeiro tempo), o levaram para o quadro da Confederação nacional. Apitou, quer dizer arbitrou, porque apitar não é termo digno, então, José arbitrou jogos da serie D e C no seu primeiro ano no quadro nacional.
         Aos vinte e oito anos e com três finais consecutivas do estadual, partidas de serie A,B,C e D do Campeonato Brasileiro e semifinais da Copa do Brasil, se tornou aspirante do quadro da confederação sul-americana. Estava como quarto árbitro naquele famoso jogo da Copa Sulamericana em que um jogador chileno driblou dois adversários e mandou um chute seco na gaveta. O típico gol de vinheta. Segurando a placa com o acréscimo, João assistiu ao lance, mordeu os lábios para não gritar um “puto de sorte”. Tamanha foi a sua raiva naquele momento.
         Mas certos momentos podem trazer bons aprendizados. João se casou e amadureceu. Parou de dar cartões amarelos severos para certos jogadores (normalmente o craque), focou na sua preparação física e mental para os jogos. Aos 31 anos era do quadro da Federação internacional. Comandou jogos da eliminatórias sul-americanas, inclusive um clássico entre Uruguai e Argentina. Como ele estava se comportando, o destino colaborou com ele, o grande  craque que estaria em campo havia se machucado pela Liga dos Campeões dias antes e o 0x0 transcorreu tranquilo, classificando os dois times para a Copa no ano seguinte.
         Na Copa do Mundo, João Rogério comandou duas partidas. Partidas menores, mas foi aprovado pelo conselho de arbitragem. Provavelmente partidas menores não instigaram o rancor de João contra o futebol. E nem a eliminação da Seleção Brasileira nas quartas de final apagaram seu bom momento. Teria ainda duas Copas do Mundo, já que o outro arbitro brasileiro a viajar para o torneio encerrava naquele momento o seu ciclo de sucesso em três Copas.
         Aos 35 anos depois de três finais da Copa do Brasil, duas de Libertadores e uma participação no Mundial de Clubes, João Rogério chegava a Europa para aquela que seria a sua Copa. Estava muito bem preparado, há tempos que não dava um cartão amarelo bobo, nem marcava pênaltis inexistentes. Participava de programas de TV com sua hábil retórica, tão bem elaborada nos tempos de Administração e Relações Internacionais. Não era apenas um profissional respeitado no futebol, na área em que se graduou também, devido à sua empresa de importações.
      Sua performance estava sólida, arbitrou 4 jogos e foi quarto arbitro em outras duas. Atuações elogiadíssimas pela imprensa especializada. Na sua estreia expulsou corretamente o zagueiro sensação da Alemanha, após o mesmo dar um carrinho no atacante uruguaio que partia em direção do seu segundo gol no jogo. O 0x0 entre Itália e Holanda não houve uma interferência sua no resultado, e rendeu elogios do treinador holandês, para surpresa de todos. Na surpreendente vitória de Gana sobre a Suíça, com três gols do seu camisa 6, João sentiu uma leve sensação familiar. Mas não soube reparar. Estava na SUA Copa do Mundo, e em dois dias seria o responsável pelo jogo entre Japão e Espanha pelas quartas de final.
     Sua atuação até hoje é lembrada por muitos, os espanhóis venceram por 3x2 os japoneses com um pênalti marcado aos 40 minutos do segundo tempo. João Rogério apitou na hora do contato entre o zagueiro japonês e o atacante espanhol, foi firme na hora da reclamação e não precisou dar nenhum cartão amarelo bobo. Nos dois dias seguintes só se falava em João Rogério na final, não havia outro arbitro à sua altura depois daquela tarde.
      Mas havia um detalhe, e o futebol não perdeu a oportunidade de ser irônico com o impaciente João Rogério. No último jogo das quartas de final, o Brasil enfrentaria a França. E para João Rogério o Brasil não poderia ir além das quartas de final naquela Copa do Mundo. O conselho de arbitragem da Federação Internacional havia decidido que esse era o limite para árbitros do mesmo país de seleções que seguiam para as fases decisivas da Copa. Enfim, exatos três dias depois de sua maior atuação como árbitro, João Rogério assistiu de dentro do estádio ao renascimento do futebol brasileiro, ao enfrentar um de seus maiores fantasmas.
    Enquanto um novo sopro de esperança tomava conta da torcida brasileira, um rancor com tremor tomava conta de João Rogério. Naquele exato momento, sentado em uma confortável cadeira de estádio moderno europeu, assistindo jogadores trocando de camisetas. Quem saia com a camiseta branca na mão, sorridentes abanavam para as arquibancadas que entoava um samba qualquer. Um jogador chegou a abanar para João Rogério, provavelmente o reconhecendo daquela final de estadual de 10 anos antes. Era um sorriso de um vitorioso saudando outro. Naquele momento, naquele longo e contrastante momento, João Rogério começou a organizar o seguimento de sua carreira. Era um vitorioso saudando outro.
    Tão rápido quanto a escalação do árbitro para a semifinal entre Brasil e Holanda, João Rogério utilizou dos contatos dentro da Federação para conversar com a comissão técnica da Seleção. Até hoje, os atletas, dizem que a palestra técnica sobre o estilo de arbitragem do árbitro japonês da semi-final (3x2 para o Brasil!) e antes da final (4x1 Brasil sobre a Argentina),sobre o húngaro que todos conheciam da Champions League, fizeram a diferença. O capitão disse em uma entrevista para uma revista de circulação nacional que entrar em campo sabendo que certo tipo de carrinho o “japonês” ia deixar passar, mas reclamação nunca, colocou os atletas em campo mais cientes do que fariam. Mas o que ele defendeu como fator diferencial foi o brilho nos olhos de João Rogério, “era como se ele quiser estar em campo com a gente... e esteve! Tanto que a Federação mandou fazer uma medalha igual a recebida pelos atletas para o envolvido árbitro.

sábado, 30 de maio de 2015

Serendipidade

Serendipidade

      Aquela hora em que algo muda. Julio realmente não sabia o que aconteceria quando saiu de casa aquela manhã. Pensava muito sobre coisas vagas, garotas erradas, algum emprego desestimulante, e os resultados da rodada do dia anterior. No meio disso algo muito vago sobre a garota certa, alguma fantasia sobre viajar no tempo, e curiosidade sobre como a mestatase pode vir a ser vencida. Enfim, coisas que ele ainda não se propõe a dar a devida atenção.
         Mas é de manhã, ele tem um trabalho chato para repetir mais um dia e novamente guardar dentro de sua mente novas ideias para melhorar aquele ambiente. E ficar no silêncio, e não se encontrar no olhar perdido de quem anda em círculos, acumulando cálculos matemáticos e raciocínio lógico sem perceber. Afinal, porque prestar atenção em onde está indo. Tudo era tão confuso e tão desconexo quanto a frase anterior soou poder ser escrito com qualidade e, principalmente, mais clareza.
       Mas siga no trote com Julio, esses passos por ora perdidos o levarão a algum lugar. Todos temos a nossa chance, alguém será a vírgula dessa história. Nesse caso, a curva bacana, daquelas que é legal observar do outro lado antes que alguma das suas verdades também lhe apresentarem à sua curva. Depois que ele atravessar mais um dia desses que não mudam ele irá se encontrar com Bob e Jaime, seus amigos.
       Uma coca-cola, uma cidade, uma noite vazia. Taxis que não se movimentam e uma noite modorrenta. A roupa suja expressando o desleixo com tudo o mais e o assunto em looping quase eterno, até que... Jaime escuta alguma reclamação de Julio, Bob fecha a cara. Jaime solta apenas para o ar a pergunta decisiva, Bob carimba em cima. Julio primeiro escuta, depois assimila. Com o estômago vazio de algo que alimentasse o corpo, mas cheio de coca-cola, sentiu o aviso. E antes que o olhar se encontrasse, entendeu o quanto ainda estava perdido. E com isso, se encontrou.
       Na manhã seguinte foi trabalhar feliz, havia um plano e havia um lugar para ele encontrar. Jaime lhe apresentou um caminho, Bob carimbou esse caminho. E coube a Julio, em seu tempo, sentir os passos, tornar garotas erradas e o emprego desestimulante em coisas vagas, se divertir com os resultados da rodada do dia anterior. Um dia ele questionaria mestatases, se tornaria o cara certo para alguma garota que precisaria encontrar o seu próprio olhar também. E viagens no tempo? Bom, calças xadrez e um copo de wisky sempre o acompanhariam no futuro.