quinta-feira, 30 de abril de 2015

Freud, Sigmund

             "Deixa eu me esconder, que ali vem ele..." E antes que o menino pudesse encontrar um local seguro entre os amigos naquela rua de Viena, um forte cafuné em sua cabeça e uma voz firme tentando ser carinhosa, mas sem jeito, o cumprimenta:
             - Como estás hoje, meu amigo Hans?

             - Eu já disse que meu nome é Anton. 

             Enquanto andava, tragando seu cachimbo, acenou de costas para o garoto, dizendo:

             - De qualquer forma, fique longe dos cavalos, certo?  

             E adentrou ao seu consultório, saboreando seu eterno cachimbo e desejando bom dia às moças que esperavam sua chegada.

              Anton seguiu brincando com seus amigos entre as calçadas da rua Bergasse 19. Por muitas e muitas vezes tentou escapar daquele senhor barbudo, bem vestido e comicamente corcundinha. Detestava seus conselhos sobre cavalos, Anton nunca passou por um problema sequer com cavalos (cachorros sim, mas isso é outra história). Aliás, nem via cavalos como uma ameaça, mesmo com todos os conselhos espirituosos daquele senhor. E o cafuné que deixava ardendo sua cabeça, é claro.
              Um dia Anton se deu conta de que aquela porta na Bergasse 19 não se abria mais. Mesmo que algumas pessoas batessem nela, na maioria jovens moças e requintadas senhoras. O senhor espirituoso havia viajado para Londres, foi o que descobriu algum tempo depois conversando com o senhor do café da esquina depois de olhar um charuto em sua estante e sentir um aperto no peito.
               Não era a guerra que acontecia nos rádios e assustava das crianças aos adultos mais fortes e seguros que Anton conhecia, nem a procura vazia das moças na sua rua, muito menos os alemães forçando coisas sem sentido como um ser melhor do que o outro. Anton sentia falta de seu bom amigo com conselhos sobre cavalos. 
                Muito tempo depois, em outro país, seu primo de terceiro grau Woody descobriria em diários e textos de Anton, que sabe-se lá como foram parar com ele, que o senhor em questão era um tal de Sigmund. Que andava pela rua Bergasse 19, com um cachimbo em mãos, uma leve corcunda e um olhar de quem poderia te dar conselhos, mas que não o faria. Pois cabe a ti mesmo encontrar o que precisa encontrar, recordar, repetir e elaborar o que só cada um poderá fazer por si. Fora manter Anton longe dos cavalos, certo?

terça-feira, 28 de abril de 2015

Uma questão de escala

Um senhor avança para atravessar a rua naquela avenida movimentada, o café treme levemente na xícara postada em uma janela que assiste aquela cena. No segundo seguinte o alivio. Um rapaz surge, segurando uma das sacolas e oferecendo o braço para o senhor atravessar a rua. Dias assim, que costumam melhorar alguma coisa.
                O quadro dessa cena naquela janela, o pensamento viaja rápido entre os dias de hoje e os dias difíceis. Quando tudo era uma boa ideia flutuando entre os pensamentos de “E se...” e os riscos de se (sic) arriscar. Com o tempo percebeu que são sentimentos comuns de quem tenta algo novo, ou acredita em algo, ou pensa que os dias podem ser diferentes. Enfim, há inúmeras formas de definir o mesmo sentimento, e justificar a mesma ação.
                Quando o telefone tocou, e aquele amigo avisou que na reunião deu tudo certo com o investidor e o negócio começaria a ser tocado em alguns dias. A satisfação em ver um projeto andar, e mesmo com uma pequena participação, a sensação de fazer parte de um sonho que se realiza.
                Um projeto, dois projetos, e de repente a coisa tomou outra forma. O que era um telefone, com o tempo passou para uma sala dentro do próprio apartamento, e hoje é um escritório em outra cidade. Mais oportunidades passaram a surgir, embora o que todos pensem no escritório é que quem passou a ficar mais atento as oportunidades foram eles.
                As reuniões que não mudaram muito. Seguem acontecendo em cafés, restaurantes, saguões de teatros, e até em parques. É um traço da empresa pensar nos lugares como algo sempre agradável, e deixando sempre a escolha para o cliente, mas essa característica tão rápido se tornou uma legenda da empresa que os interessados já aguardam um momento assim. Hoje em dia bares de hotéis, camarotes de estádios de futebol em jogos importantes, e salas de reuniões de escritórios grandes também fazem parte da rotina. Na verdade nada mudou, é apenas uma questão de escala.

                O telefone toca, a esposa informa que está saindo de casa para o passeio do final da tarde. Ele olha a xícara de café com seu perfume tomando conta daquela sala agora vazia. A distância entre o hoje e os dias difíceis percorridas pela velocidade de uma boa ação. É apenas uma questão de escala.