As
crianças brincam no espaço de lazer, uma atleta queima calorias em uma corrida
de meio de tarde. E o telefone toca no apartamento 303. Não o de linha, que se
tem apenas para conversar com as famílias e pagar uma conta a mais junto ao
plano de tv à cabo. Que por sinal está com o volume um tanto quanto alto, e o
som do vizinho reclamando com a vassoura no teto do apartamento 203 não é
percebido no quarto porque a cozinha está uma zona e é preciso organizar. Mesmo
que ela esteja um brilho de tão limpa.
- Alô.
-Alô... ?
- Alô?
Alguém aumenta o volume e o tom
de voz, e diz:
- Você está ouvindo Bee Gees?
- Não!
- Como assim não? Está a pleno
volume, eu estou ouvindo, e vem daí...
- Não!
- Mas eu já disse que tô...
Som dos Bee Gees baixando até se
tornar uma outra música indecifrável.
- Peraí... baixei.. não tava
ouvindo Bee Gees não, eu estava ouvindo trilhas sonoras de filmes famosos e o
telefone tocou e eu estava na cozinha e nisso trocou de música e eu achei que
tinha ouvido alguém bater na porta e fiquei indecisa se atendia o telefone ou a
porta.
- Ah, entendi...
- Quem tá falando mesmo?
A voz mudou drasticamente da
curiosidade divertida dos Bee Gees para a tristeza e mágoa na voz:
-Sou eu, Marta, a Raquel.
-Oi Raquel, tudo bem?
- Não, nada bem. (quase aos
prantos)
-Calma querida, me conta o que
aconteceu.
- O Fábio de novo.
- O que ele fez?
- O que ele fez?
- É o que ele fez? Sei lá, ele
fez alguma coisa?
- Fez. (assoando o nariz)
- Então, o que aconteceu?
- Nem te conto.
E
dessa vez era alguém batendo na porta mesmo. O vizinho do 203 subiu para avisar
pessoalmente que o som estava alto demais mesmo para aquela hora da tarde. Mais
envergonhado do que surpreso, apontou para o telefone e saiu da frente da
porta. Em alto e bom som ele e Marta escutavam:
- ... e foi isso o que ele fez
amiga...
O
segredo havia sido revelado, e aquele corredor jamais veria tranquilidade entre
os dois vizinhos. Ele realmente havia feito algo muito intenso.