sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Dias que virão

- Calma aí, o piano já vai começar...
                Rico e tolo, lado a lado, conversando animadamente, desviando os pés de pétalas pelo caminho. Alguém lhes disse para contar as flores e eles não toparam.  Preferiram suar as mãos, andar por aquele corredor e abrir as portas. As pétalas lhe indicavam um caminho.
                “Então vamos contar flores” , disse o tolo para o rico, que pensou em como ocorria a distribuição daquelas belas rosas para chegarem a eles. O tolo sorri ao ver a expressão do rico, se levanta, oferecendo a mesma pétala que cheirava para o amigo. “Os sonhos não se vendem, meu caro”. O rico torceu o lábio crispado, olhou para a pétala e antes de bater na porta respondeu:
-Talvez meu caro (e nesse momento você pode imaginar a expressão que quiser para o rosto do rico). Mas não pense que não tenho minhas cicatrizes, por muitos momentos bater em portas significava olhares estranhos e pouco diálogo. Até deixar de ser divertido.
                O tolo entendia aquilo. Encontrava esse sentimento em todas as boas vindas que deu para sorrisos sem graça. Em cada sorriso que ofereceu para pessoas mal humoradas, e o silêncio por se questionar “será que eles me entendem?”. Mas estavam apenas rindo. E o tolo ria junto. Não se sentia mal por ser a piada, ele entendia. Alguns contam dinheiro, outro pétalas.
                Mas à sua frente havia alguém que contava dinheiro, e contava também suas histórias. Como se visse em cada uma, pedaços de um amor. E o tolo passou a sonhar com mais do que aquelas pétalas, e a porta a sua frente se tornou um lugar feliz. Porque atrás dela havia alguém para receber.
                Enquanto ouvia o amigo olhando as pétalas, sentiu uma vontade imensa em saber algo mais. Depois de ouvir sobre algo que envolvia um senhor em um piano tocando com a janela aberta “Let it be foi a senha daquela noite, e essa foi a boa surpresa entre tantas luzes e boas decisões”, perguntou:
- Quando foi que os sonhos passaram a ser permitidos e as histórias ficaram mais felizes?
O rico disse, sorrindo para o amigo, oferecendo uma pétala:
- Quando comecei a contar flores.

E a porta se abriu.  

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Extraño

Extraño

                O esquecimento é tão longo. E estranho. Assim como dormir em paz e acordar sem medos. Sentir frio e pensar que a fé foi perdida, quando na verdade é apenas uma tarde de inverno. Quando na verdade ninguém ensinou direito a diferença entre fé, julgamento e medo. E com isso o amor se vai.
                E com isso o amor se vai, feito o éter no espaço, atmosfera, obrigação, e fé. Nada mais vale se não for a partir disso. Mas novamente, ninguém ensinou a diferença entre se entregar e se ferir. E com isso a inutilidade envolve.
                E com isso a inutilidade envolve, porque atos são cobrados, mas ... não são reconhecidos. Não importa se for em um livro, ou passando um final de semana vestido de rosa. Restando assistir estranhamente a vida pela televisão e observar a exposição da felicidade alheia pela internet. O esquecimento é tão longo.
                É estranho. Como olhar para trás e ver os caras de uma banda de Porto Alegre na mesma fila para comprar o mesmo CD daquela banda inglesa. No caso deles é extraño, por alguma influência interessante do rock que vem de Buenos Aires levado para algum teatro. Eu era o número 17, eles cinco os seguintes. Hoje, estranhamente,  eu me recordaria de quem seria o número 23.
                O nome sussurrado e o cansaço de uma febre que vem e vai, e quando for espero que não volte. Mas a gente não escolhe aquilo o que volta ou não para a gente. Mesmo que possamos amar e achar que fomos amados algumas vezes. Ninguém perde a fé, até que descubra o jeito certo, e não ensinado, de acreditar. E o que estava para ser perdido, se renova.
                É simples, como “seja vegetariano” escrito à tinta spray em uma parede. É estranho, como “seja vegetariano” escrito à tinta spray em uma parede. A mensagem por si só é uma boa dica de saúde. E quem irá julgar? Os mesmos que não sabem ensinar sobre fé?

                Como uma canção descrita em uma escrita livre, é apenas estranho. E ninguém saberá responder, e se contar histórias de fé tudo bem, desde que sem questionamentos. Estamos preocupados com nossos umbigos, mesmo que a nossa volta tentem não deixar nos aproximar. E fomos ensinados a não questionar. É estranho. É estraño. E isso não está certo.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Paraíso

Paraíso

                Nada tem que ser da maneira que eu pensei. Apenas um começo para mim, e para todos.  Todos os dias, a toda hora. Milagres que se realizam, e se agradece. As estradas não são curtas, mesmo que te levem para a primavera. Isso tanto faz.
                Isso tanto faz, eu não tenho o paraíso para te oferecer. Um oceano nos espera. Já vi algo, e uma casa aberta. Um piano na janela da esquina. Deixe estar e dois sorrisos irão brilhar no fim da viagem.
                Ninguém se afasta tanto assim, recomeços para todos que aguardam por redenção. Hoje as flores são verdadeiras, a casa está aberta e ninguém se afasta tanto assim. Não há tristeza nas janelas. O dia está bonito.
                O dia está bonito. Mesmo que eu não tenha o paraíso para te oferecer, podemos caminhar até o mar. Quem sabe até de mãos dadas. No fim da viagem, um oceano olha para nós. E os milagres se realizam, feito dominós dançando em queda um após o outro, e se agradece.

                E se agradece.   

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Diga a ela

Diga a ela

                Dois conhecidos  cruzam um o caminho do outro. Se cumprimentam, algum deles está de bom humor e estende a conversa. Trocam ideias sobre seus momentos em comum, momento da profissão de cada um, um plano pra lá e um plano pra cá. Questionam sobre os amigos em comum que são mais próximos, até que um antes de se despedir pergunta:
- Digo algo para ela?

                Entre o educado sorriso crispado e a resposta, uma boa jornada de meses. Televisões ligadas ao acordar, televisões ligadas ao dormir. Dias intermináveis em bares com uns amigos, novos amigos e antigos amigos. Tantos estranhos tão perto. Na verdade longe do principal. Ela sabe onde estou, logo pouco importa dizer que estou só, ou que mando recomendações. Passos alinhados que caminharam muito devagar, arrastando o calendário. Olhares perdidos. Olhares ao encontro de um espaço. Um espaço dentro dele. Algo gritando para ela saber como foi. Um garotinho assovia, enfrentando a náusea da dúvida.
                Um garotinho realmente assovia, do outro lado da rua, e uma moça sorri. Enquanto atravessa a rua, o sorriso crispado se dissolve em um sorriso feliz e a resposta sai tão leve quanto o aceno de despedida, e desatento responde:

- Sei lá, diga a ela que me viu na rua. Ah, e que eu parecia muito bem. 

sábado, 8 de agosto de 2015

Eu caminhava

Eu caminhava

                Eu caminhava, minhas pernas se encontravam e se despediam. Uma tarde qualquer, o inicio de uma rua. A beira da Lagoa, a Praça, o Colégio, a mesma rua, uma avenida. Uma ideia. A distância não importa.
                O trote solitário e mergulhado, oferecendo a prisão. De repente a grande subida já foi, e um novo bairro. Aquele bairro atrás do morro, já não faz sentido se preocupar em ser visto. As lentes fumê de um óculos escuros nos salva quando fingimos gostar de alguém. Melhor fingir que o tempo passa.
                Um estranho pergunta as horas, quando a metade do caminho se apresenta após a primeira das duas curvas do percurso. Fosse para a direita encontraria um pedacinho do futuro muito antes de chegarmos lá. O sol forte e o vento frio alegram aquele dia de primavera, no meio da tarde a temperatura é sempre agradável. Eu caminhava.
                Chegando a lugares que de longe eu enxergava, na última curva do percurso o estranho se depara. A mesma professora, meninas e meninos com a sua idade em outro tempo. Dizer que um dia elas poderiam fazer o mesmo, e surgir do nada na aula da Tia e contar alguma coisa como eu contei. Agora não podem mais, o colégio não existe mais. Eu caminhava e fingia que o tempo passava.
                A despedida e as curvas e a distância que agora importa um pouco. Óculos escuros descansando na gola da camiseta. E o vento a incomodar as lentes de contato. Amigas fazendo atravessar a rua apenas para comentar que a caminhada havia sido longa e o vento incomodava os olhos. Óculos escuros saindo do seu descanso.

                Sem dores nem cansaço. Quando se é jovem e se tem dúvidas, 5 ou 6 bairros entre o colégio antigo e o que não será lembrado não exige quase nada do corpo. É na busca por respostas que estamos andando, e algumas delas encontrei enquanto eu caminhava. Por uma memória.

domingo, 2 de agosto de 2015

O homem das estrelas

O Homem das Estrelas

                Lá vem aquele guri de novo. Voando solto pela casa, interessado na sala de chá. Pouco interessado em tantos móveis oferecendo tantos riscos ou serem frágeis demais. O fim das vozes no rádio, que ele desliga, e o fim do silêncio por toda a casa.
                Som de gelos quebrando vindo da cozinha e o menino tira do bolso um pequeno machadinho. Um belo copo de refrigerante para acompanhar suas estripulias e seu comportamento. Que assusta muito menos que o menino quieto, sentado em frente à tv, imerso em algum sonho em que não acorda.
                Um talho, um belo talho. Seu machadinho me feriu, e eu não estou sangrando. E essa cicatriz ficará por um bom tempo. As nuvens lá fora queimam alguma coisa, e nesse espaço a solidão é tão normal. E ele vem e me abre um talho. Anos depois me pediria desculpas.
                Anos depois me pediria desculpas, dizendo que está mais calmo e que se sentia mais puro depois de uma viagem que fez. Dizia: “ei, homem das estrelas, agora eu sou como você e também conheço as nuvens.” E dessa vez não me deixou um talho, mas repetiu o que tornava sua visita sempre tão esperada. Mostrou o que acontecia atrás de mim.
                Ás vezes um manto negro, cheio de pontinhos pequenos de luzes. Ás vezes um painel azul com tufos de algodão espalhados, se arrastando ao seu próprio sabor. Ás vezes gritos de alguém que se dizia tolo por enfrentar a noite. Naquele dia eu chorei sem medo, sem lágrimas e sabendo o que era paz.

                E agora lá vem aquele guri novamente, para me fazer um talho e me mostrar o que ocorre do lado de fora nu da janela. Sempre estar lá e vê-lo voltar, eu não sou mais o mesmo porque descobri o que uma paisagem instiga em alguém. E por muito vou chorar, sem lágrimas, sem dor, e sem saudade, apenas gratidão por não ser um menino que vai crescer e descobrir que corações se partem, sonhos se alteram, e que talhos doem muito menos do que a solidão. Afinal de contas, eu sou apenas um astronauta de mármore em uma mesa bonita postada numa sala de chá.