O Homem das Estrelas
Lá
vem aquele guri de novo. Voando solto pela casa, interessado na sala de chá.
Pouco interessado em tantos móveis oferecendo tantos riscos ou serem frágeis
demais. O fim das vozes no rádio, que ele desliga, e o fim do silêncio por toda
a casa.
Som
de gelos quebrando vindo da cozinha e o menino tira do bolso um pequeno
machadinho. Um belo copo de refrigerante para acompanhar suas estripulias e seu
comportamento. Que assusta muito menos que o menino quieto, sentado em frente à
tv, imerso em algum sonho em que não acorda.
Um
talho, um belo talho. Seu machadinho me feriu, e eu não estou sangrando. E essa
cicatriz ficará por um bom tempo. As nuvens lá fora queimam alguma coisa, e
nesse espaço a solidão é tão normal. E ele vem e me abre um talho. Anos depois
me pediria desculpas.
Anos
depois me pediria desculpas, dizendo que está mais calmo e que se sentia mais
puro depois de uma viagem que fez. Dizia: “ei, homem das estrelas, agora eu sou
como você e também conheço as nuvens.” E dessa vez não me deixou um talho, mas
repetiu o que tornava sua visita sempre tão esperada. Mostrou o que acontecia
atrás de mim.
Ás
vezes um manto negro, cheio de pontinhos pequenos de luzes. Ás vezes um painel
azul com tufos de algodão espalhados, se arrastando ao seu próprio sabor. Ás
vezes gritos de alguém que se dizia tolo por enfrentar a noite. Naquele dia eu
chorei sem medo, sem lágrimas e sabendo o que era paz.
E
agora lá vem aquele guri novamente, para me fazer um talho e me mostrar o que
ocorre do lado de fora nu da janela. Sempre estar lá e vê-lo voltar, eu não sou
mais o mesmo porque descobri o que uma paisagem instiga em alguém. E por muito
vou chorar, sem lágrimas, sem dor, e sem saudade, apenas gratidão por não ser
um menino que vai crescer e descobrir que corações se partem, sonhos se
alteram, e que talhos doem muito menos do que a solidão. Afinal de contas, eu
sou apenas um astronauta de mármore em uma mesa bonita postada numa sala de
chá.
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