sexta-feira, 5 de junho de 2015

O árbitro campeão

    João Rogério Mendonça aos quatro anos de idade se apaixonou por futebol. Seu pai, José Raimundo Mendonça, lhe entregou uma bola. Ela rolou pelo chão de terra batida daquele pátio em slow motion, o menininho sabia que algo diferente estava acontecendo.
    Passou a infância toda dizendo que queria ser jogador de futebol, ficava o dia todo na rua chutando bola com os colegas e amigos. Até que anoitecia e os pais lhe chamavam para jantar e estudar. Esse era o trato e ele entendeu desde o inicio, para jogar bola precisava estudar. Não que uma coisa se relacionasse com a outra, mas os pais disseram que se ele tirasse boas notas passaria o tempo que quisesse jogando bola. E os pais não abusavam, aprenderam desde cedo como motivar seu segundo filho.
     Dos doze aos dezessete anos, João, então chamado como Néquinho (ninguém sabe a origem do apelido, quando viram era o seu quase nome), passou por 35 peneiras diferentes. Passou apenas em times muito pequenos e sem projeção, e mesmo assim, a primeira vez ocorreu na décima quinta tentativa. O rapaz viveu sua puberdade assistindo seu sonho se evaporar em tentativas frustradas pela falta de aptidão necessária para se tornar jogador de futebol.
      Ainda na adolescência João entendeu que para fazer parte do mundo do futebol teria que adaptar seu sonho. Mas João era vaidoso e orgulhoso, o caminho natural era estudar Educação Física e se tornar um treinador ou preparador físico e seguir carreira nos clubes de futebol. Não para João, ele logo entrou para a faculdade de Administração. Se formou e emendou Relações Internacionais. Nesses oito anos, fez todos os cursos possíveis e oferecidos pela Federação de Futebol do seu estado pra se tornar árbitro.
       Ao longo da vida acadêmica o jovem árbitro passou por campeonatos amadores da cidade em que morava. Aliás, é desse tempo o famoso episódio do artilheiro dos mil gols, com reportagem da sucursal da principal rede de televisão do país e pedido de música para aquele programa de televisão. Toinho o artilheiro dos mil gols, foi o primeiro a despertar no jovem árbitro um rancor enorme contra o futebol. Ele sempre seria a lei, a última palavra seria a dele, mas ele jamais seria a estrela. Isso o amargurou bastante.
        Passou pelas duas divisões do estado quando era bixo em Relações Internacionais, e no final de semana anterior a apresentação de seu trabalho final de graduação apitou a final do estadual, o grande clássico do estado. A atuação segura e o jogo tranquilo ( o primeiro resultado havia sido 3x0 para o time que decidia em casa naquele domingo e, que abriu o placar aos 10 do primeiro tempo), o levaram para o quadro da Confederação nacional. Apitou, quer dizer arbitrou, porque apitar não é termo digno, então, José arbitrou jogos da serie D e C no seu primeiro ano no quadro nacional.
         Aos vinte e oito anos e com três finais consecutivas do estadual, partidas de serie A,B,C e D do Campeonato Brasileiro e semifinais da Copa do Brasil, se tornou aspirante do quadro da confederação sul-americana. Estava como quarto árbitro naquele famoso jogo da Copa Sulamericana em que um jogador chileno driblou dois adversários e mandou um chute seco na gaveta. O típico gol de vinheta. Segurando a placa com o acréscimo, João assistiu ao lance, mordeu os lábios para não gritar um “puto de sorte”. Tamanha foi a sua raiva naquele momento.
         Mas certos momentos podem trazer bons aprendizados. João se casou e amadureceu. Parou de dar cartões amarelos severos para certos jogadores (normalmente o craque), focou na sua preparação física e mental para os jogos. Aos 31 anos era do quadro da Federação internacional. Comandou jogos da eliminatórias sul-americanas, inclusive um clássico entre Uruguai e Argentina. Como ele estava se comportando, o destino colaborou com ele, o grande  craque que estaria em campo havia se machucado pela Liga dos Campeões dias antes e o 0x0 transcorreu tranquilo, classificando os dois times para a Copa no ano seguinte.
         Na Copa do Mundo, João Rogério comandou duas partidas. Partidas menores, mas foi aprovado pelo conselho de arbitragem. Provavelmente partidas menores não instigaram o rancor de João contra o futebol. E nem a eliminação da Seleção Brasileira nas quartas de final apagaram seu bom momento. Teria ainda duas Copas do Mundo, já que o outro arbitro brasileiro a viajar para o torneio encerrava naquele momento o seu ciclo de sucesso em três Copas.
         Aos 35 anos depois de três finais da Copa do Brasil, duas de Libertadores e uma participação no Mundial de Clubes, João Rogério chegava a Europa para aquela que seria a sua Copa. Estava muito bem preparado, há tempos que não dava um cartão amarelo bobo, nem marcava pênaltis inexistentes. Participava de programas de TV com sua hábil retórica, tão bem elaborada nos tempos de Administração e Relações Internacionais. Não era apenas um profissional respeitado no futebol, na área em que se graduou também, devido à sua empresa de importações.
      Sua performance estava sólida, arbitrou 4 jogos e foi quarto arbitro em outras duas. Atuações elogiadíssimas pela imprensa especializada. Na sua estreia expulsou corretamente o zagueiro sensação da Alemanha, após o mesmo dar um carrinho no atacante uruguaio que partia em direção do seu segundo gol no jogo. O 0x0 entre Itália e Holanda não houve uma interferência sua no resultado, e rendeu elogios do treinador holandês, para surpresa de todos. Na surpreendente vitória de Gana sobre a Suíça, com três gols do seu camisa 6, João sentiu uma leve sensação familiar. Mas não soube reparar. Estava na SUA Copa do Mundo, e em dois dias seria o responsável pelo jogo entre Japão e Espanha pelas quartas de final.
     Sua atuação até hoje é lembrada por muitos, os espanhóis venceram por 3x2 os japoneses com um pênalti marcado aos 40 minutos do segundo tempo. João Rogério apitou na hora do contato entre o zagueiro japonês e o atacante espanhol, foi firme na hora da reclamação e não precisou dar nenhum cartão amarelo bobo. Nos dois dias seguintes só se falava em João Rogério na final, não havia outro arbitro à sua altura depois daquela tarde.
      Mas havia um detalhe, e o futebol não perdeu a oportunidade de ser irônico com o impaciente João Rogério. No último jogo das quartas de final, o Brasil enfrentaria a França. E para João Rogério o Brasil não poderia ir além das quartas de final naquela Copa do Mundo. O conselho de arbitragem da Federação Internacional havia decidido que esse era o limite para árbitros do mesmo país de seleções que seguiam para as fases decisivas da Copa. Enfim, exatos três dias depois de sua maior atuação como árbitro, João Rogério assistiu de dentro do estádio ao renascimento do futebol brasileiro, ao enfrentar um de seus maiores fantasmas.
    Enquanto um novo sopro de esperança tomava conta da torcida brasileira, um rancor com tremor tomava conta de João Rogério. Naquele exato momento, sentado em uma confortável cadeira de estádio moderno europeu, assistindo jogadores trocando de camisetas. Quem saia com a camiseta branca na mão, sorridentes abanavam para as arquibancadas que entoava um samba qualquer. Um jogador chegou a abanar para João Rogério, provavelmente o reconhecendo daquela final de estadual de 10 anos antes. Era um sorriso de um vitorioso saudando outro. Naquele momento, naquele longo e contrastante momento, João Rogério começou a organizar o seguimento de sua carreira. Era um vitorioso saudando outro.
    Tão rápido quanto a escalação do árbitro para a semifinal entre Brasil e Holanda, João Rogério utilizou dos contatos dentro da Federação para conversar com a comissão técnica da Seleção. Até hoje, os atletas, dizem que a palestra técnica sobre o estilo de arbitragem do árbitro japonês da semi-final (3x2 para o Brasil!) e antes da final (4x1 Brasil sobre a Argentina),sobre o húngaro que todos conheciam da Champions League, fizeram a diferença. O capitão disse em uma entrevista para uma revista de circulação nacional que entrar em campo sabendo que certo tipo de carrinho o “japonês” ia deixar passar, mas reclamação nunca, colocou os atletas em campo mais cientes do que fariam. Mas o que ele defendeu como fator diferencial foi o brilho nos olhos de João Rogério, “era como se ele quiser estar em campo com a gente... e esteve! Tanto que a Federação mandou fazer uma medalha igual a recebida pelos atletas para o envolvido árbitro.

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