quarta-feira, 1 de maio de 2024

Um verão qualquer

Um verão qualquer. Já tinham seus 60 e poucos, os filhos viajariam para Europa. Os sobrinhos também. Os irmãos queriam ir para praia. Ninguém queria ir para o campo naquele verão. Menos eles, ou melhor, menos eles e as crianças. Porque não ¿
Ele foi a cidade buscar a trupe. Teve de fazer duas viagens. Eram ao todo 10 crianças, entre netos, sobrinhos netos e uma sobrinha mais caçula da irmã de um deles. 6 garotos entre 5 e 7 anos, 4 garotas entre 4 e 9.
Ela ficou organizando os 4 quartos e esperando a empregada que acompanharia o casal nessa temporada de 15 dias. Tv com dvd, internet em ordem, muita comida, e a piscina limpa. Recebeu as meninas primeiro, sabia que ele sempre manteria viva a mania de se esforçar para ser cavalheiro ao máximo, mesmo com as crianças. Os garotos deixaram o carro uma bagunça, e ele contou isso às gargalhadas.
Na primeira semana, ele ficou com o café da manhã. Acordou as 6 da manhã, depois de uma primeira noite agitada explicando porque não deixaria a criançada entrar na piscina as 7 da noite. Combinou com os garotos que todos ajudariam na hora de lavar o carro, depois do café da manhã, e sem isso sem piscina para ninguém. Ela combinou com as garotas de a ajudarem na arrumação dos quartos e lavar a louça todos os dias depois das refeições.
E era uma grande festa, cuidar para que todos escovassem os dentes após cada refeição, passar o protetor solar antes de irem para o sol, ir ao mercado e comprar mais pão. O neto mais velho fazia questão de ajudar à todo momento, a sobrinha de 9 anos também. Eram bons amigos, mesmo que houvesse a imensidão de 2 anos de diferença entre os dois.  
Um dia amanheceu muito quente, e quando todos se refugiavam depois do almoço em seus celulares e computadores na sala, começou a chover. Quando perceberam, não havia ninguém na sala, estavam todos pulando na chuva. Ele olhava ela, ela olhava as crianças, ele olhava ela porque ela ia mexer no cabelo e parar o tempo. E ela fez, os 3 segundos que marcavam ainda tudo para ele. Lá fora as crianças se divertiam, não teriam como evitar a piscina sem protetor solar.
Na hora de dormir ela passava no quarto das meninas, conversava sobre as coisas delas. As questões importantes da infância são sempre as mais importantes, e ela se divertia com tudo aquilo. Como ele pode ter essa idéia de trazer toda essa energia para o verão deles¿
No sábado ele fez um churrasco , liberaram o refrigerante e o doce. Afinal era sábado, eram férias de verão, e eram todos naquele momento crianças. Receberam a visita de um casal de amigos, que se envolveram tanto com as crianças que só foram embora no outro dia.
No domingo de tarde foram todos jogar bola junto. Ele organizou a brincadeira dos meninos, que queriam que ele ficasse no gol. Ela ficou com as garotas, vendo elas tocarem entre si uma bola de vôlei perdida, e depois acompanhando-as em alguma caminhada. Ele não foi junto, nem viu elas saírem, estava imerso na brincadeira de bola com os garotos.
Quando descobriu que um deles queria aprender a tocar violão e a menina mais nova queria ser cantora igual a uma apresentadora de tv, organizaram um pequeno show de talentos. A surpresa foi tanta com o neto declarando um poema para os avós que ele saiu a andar sozinho, no final da noite. Depois que ela adormeceu, não queria tirar seu sono, e o café da manhã essa semana era dela. Sentado no banco de praça que colocou no jardim agradeceu pela vida que o trouxe até aqui.  E voltou um tempo depois com um sorriso sereno e os olhos um pouco vermelhos, e com cheiro de incenso no ar.
A semana seguiu divertida , com sol. Lanches da tarde com muita pipoca e achocolatado, mas ela nunca deixava as crianças esquecerem das frutas. Os garotos cuidavam da louça para as meninas, e elas ajudavam a limpar a piscina.
No sábado os pais da criançada começaram a chegar, e o domingo amanheceu com metade das meninas e um menino a menos. Ela viu o neto se despedir da prima chateado , só a veria em duas semanas quando os dois voltassem da praia, duas semanas sempre é muito tempo na infância. Sentiu pelo sentimento dele, mas sabia que ele entenderia com o tempo essas coisas e ficou feliz pelo seu neto também demonstrar alguma emoção. Puxou o avô, pensou alto.
O almoço de domingo levou uma das meninas, deixando a mais nova cantando para eles e a casa que ia se esvaziando aos poucos e se tornando imensa. Os meninos ele iria levar na manhã seguinte para cidade e deixar na casa da filha deles.
 Ela deu um abraço no neto, mandou cuidar de sua mamãe e ligar mais seguido porque eles também sentiam saudade. Ele foi para o carro do avô , os outros garotos também se despediram dela e da menininha que os pais buscariam só no outro dia. Ao menos ela para ficar lhe fazendo companhia. E o carro seguiu estrada a fora em direção à cidade.
Três horas depois , ela escuta o carro parando em frente a casa. Da porta da garagem olha para ele, ele olha para ela. E então ela mexeu no cabelo, ele abriu um sorriso e lá de dentro ouviram uma voz infantil cantando alguma música. 

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